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Mostrando postagens de 2010

Ode à pungência

Enfadonha-me a vida desse jeito! De exceções para justificar o injustificável De ser maioria quando o assunto é a falta Quero mesmo é o calor, o contato, o suor Que à boca não seja vetado o direito de amar Que lhe seja permitido um clássico EU TE AMO Que, na ausência das palavras, seja permitido o silêncio significante  Quero mesmo é sentir-me no outro  Sem medo de a este ser proibido me olhar nos olhos e aceitar um chocolate por mim oferecido Nego o estranhamento, o impedimento, a naturalização do inaceitável Reivindico o simples, o leve... Que a todos seja permitido apreciar o crepúsculo de um dia calmo, o perfume das coisas, os olhares perdidos/achados Baterei na porta da felicidade até que ela me atenda  E só descansarei quando não mais precisarmos forjar um último dia do ano. Por Natália Freitas

Alguém viu Noel?

Há tempos que o bom velhinho não mais me engana. Para ser exata, desde que dei de cara com meu pai pondo meu presente embaixo da cama. Poxa, como eu não precisava ter tido aquela experiência! Tudo bem que o meu velhinho também era barrigudo e daria um bom papai Noel. Mas não, não era ele que eu queria encontrar naquela noite. Essa história me veio à mente quando dia desses eu me deparei com uma situação no mínimo endêmica das nossas relações fetichistas. Eu estava no ônibus de uma pitoresca cidade que, nos próximos dias, será meu novo endereço, Aracaju. Tudo convergia para ser mais um fim de tarde como qualquer outro: ônibus cheio, pessoas com rostos cansados e pouca paciência.  Já ouvi por várias vezes comentários do tipo: " Oh, como nessa época do ano tudo se enche de magia. É mesmo o espírito de natal." Creio que por ter ouvido tanto, terminei acreditando. Não fosse a surpresa que tive nesse tal fim de tarde em terras sergipanas.  Lá pelas tantas de minha

Espoliação "consentida"

Escrevo. Apago. Escrevo e novamente apago... sob um movimento quase que automático. As ideias me parecem inertes. Não por falta do que dizer, ao contrário, por puro atropelo. Na ausência de vinho, bebida tema de belas crônicas galeanescas, resta-me o som, da música escolhida e, ainda mais, das ideias a fustigar minha cabeça.  É engraçado como as leituras mudam a partir da mudança das nossas próprias experiências. É mesmo a tal da dialética. A vontade de escrever esse post veio depois de reiniciar uma leitura realizada ainda em tempos de graduação. A obra, que mesmo depois de décadas é de uma vitalidade tamanha, é As veias abertas da América Latina , de autoria do Eduardo Galeano (tão citado neste espaço). Admira-me a capacidade com que ele passeia por temas tão instigantes, mas não menos doloridos, de forma tão laboriosa. Como ele disse em outra obra, suas letras são dedicadas a dar voz aos que são "desprezados por aqueles que desprezam as próprias ignorâncias".

Para os casos de porosidade, escorregue

o vento vadio e inebriante que soa,  ecoa aturde bate à porta que torta rebate  faz pensamento               cimento                                e dele, parte     Por Natália Freitas              

De repente um dia...

Todos os dias ela cumpria um ritual: olhos arregalados, mirava o teto de seu quarto. A chuva do último inverno deixara marcas na pintura já antiga. Aquele cenário era prato cheio para a criatividade de uma menina de 10 anos. Ali a entrada era franca. Participavam da festa leões com trombas de elefante, a professora Jacira, a primeira a mostrar-lhe o mundo letrado e também um montão de pipoca com chocolate. Era tudo muito harmônico, bastava forçar um pouco a cabeça para tudo mudar e, num instante, os leões usavam óculos e a tia da escola dava lugar a uma bicicleta amarela.  Nascida numa cidade qualquer, os vizinhos a olhavam com certa desconfiança. Dizia uma senhora, assídua frequentadora das calçadas, para uma outra moradora: - Sabia não, faltou oxigênio na hora do parto, por isso ela ficou assim. É lelé, tadinha. Na escola, amigos eram espécie em extinção, a não ser pela Laura, menina de vívidos olhos caramelados. As duas sempre sentavam juntas na aula e dividiam os tra

Silêncio e só

Mais um dia findou para ela. Abre a porta de casa, nada mudou de lugar. Pensa alto... seria melhor retirar o sofá daquela parede. De tão cansada, joga o corpo sobre a cama. Hoje em particular os ombros lhe pesam ainda mais. Olhos fechados, breve silêncio (os pensamentos dão uma trégua). Um riso largo é um cartão de visita para criar coragem e botar a cabeça na janela. Lá embaixo, uma menina linda brinca com suas bonecas. Em uma das mãos ela segura um chocolate e o faz com tamanha gana que o perde por entre os dedos. Num ato ligeiro e sapeca lambe dedo por dedo e limpa a pequenina mão em seu vestido, agora não mais branco. A rua oferece um cenário de cotidiano entediante. Latidos, buzinas... o cheiro convidativo do jantar vindo do apartamento ao lado. Tira a roupa como se pedindo que elas mesmas fizessem a tarefa. Chico Buarque para dar coragem. Chuveiro ligado, deixa a água cair sobre seu corpo por um longo tempo. Ao menos a aparência fica mais receptível. Mas ainda não é o b

Surpreender-me sempre com o rotineiro!²

Quem diria que em plena segunda-feira eu teria uma experiência dessas.  Foi algo tão mágico e singelo que, depois do acontecido, o dia se foi e minha garganta não mais pedia, ordenava um grito. Estava eu numa das muitas salas de aula por onde transito cotidianamente. O dia começava, e como já adiantei, era segunda. Minha cara não era a das mais felizes, meu corpo ainda procurava onde escondi um tal descanso.  Fui aplicar prova de filosofia e marquei com uma aluna uma reunião pós-aula para que ela me apresentasse o trabalho que faltara entregar. Eu, mantendo a fama de exigente, indiquei que só aceitaria uma defesa no gogó. É isso ai, se sabe, fale! Esse é meu lema.  Não houve objeção.  Nossa, como eu não sabia o que me esperava... A aluna M, é assim que a chamaremos, compareceu no horário previsto, agora em outra sala, onde eu dava continuidade ao dia de aulas. Ela puxou a cadeira e sentou próximo a mim. O assunto era a filosofia tominiana. M mostrou-se tranquil

... e elas continuam abertas, a irrigar todo o sistema

Mais uma vez o capital exala seu odor. Uma TV ligada no jornal noturno e um livro (o autor? fácil imaginar!) aberto sobre a cama do meu quarto. Este foi o cenário. Eis que me deparo com a chamada: chacina no México, 72 pessoas são mortas por narcotraficantes. Em no máximo 3 minutos todos os principais dados foram transmitidos por aquela que se auto-intitula locus da credibilidade jornalística. Durante a semana, os principais jornais divulgavam constantemente “novidades” sobre o massacre. Foi então que senti como se estivesse vivendo um dèjávu. A história se repetia! Com nova roupagem, de fato, mas seu conteúdo... sim, eu tinha razão! Segundo o embaixador do Brasil no México, Sérgio Florêncio, "Esses conflitos fronteiriços, de mexicanos ou de pessoas de outras nacionalidades, que tentam ingressar nos Estados Unidos, são recorrentes. O que é muito inusitado é um massacre com essas proporções, envolvendo 'nacionais' de tantos países". Ou seja, o fato só quebrou

Surpreender-me sempre com o rotineiro!

De pronto, dedico esse post aos que não mais se assombram com o cotidiano, aqueles que perderam a capacidade de se admirar e, ainda mais, de se incomodar com ele...  ... como se existissem milhares de pequenas agulhinhas a espetar meu corpo. É assim que sinto.  Peço desculpas se minhas idéias parecerem desconectas ou demasiado forçadas... quem sabe?! O fato é que tenho o hábito, não sei se bom, de juntar várias sensações em um determinado acontecimento do dia. É tão autônoma essa reação que a mim também me surpreende. Pois bem, mas sou uma mulher de poucas palavras, já percebi que se dou corda elas criam tamanha independência que, posteriormente, me causam rugas na testa. Por ser assim, já fui amavelmente (assim prefiro imaginar) apelidada de ala xiita. Vai saber neh... mas sabe de uma... acho que sou mesmo. E daí?! Bom, mas chega de rodar, rodar... Como os próximos sabem, sou professora (nd de tia, professora mesmo) de história (e como mão-de-obra superexplorada

Mas e quem disse que elas sempre têm razão?!

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Conversando com um amigo sobre assuntos corriqueiros me veio na mente as frases célebres que mãe adora dizer (e como essas palavras ganham vida na boca de uma genitora): eu não falei! não me escuta! você não valoriza a sabedoria da sua mãe! É pro seu bem, obedece! Pois bem, mas a minha impertinente (ou pertinente, vai saber) recordação me levou a uma situação que ocorreu com a minha pequena pessoa anos atrás... época em que eu ainda tinha que acatar com certas regras, inclusive as alimentares... afinal, toda mãe tem diploma de pediatra, psicóloga, professora, lálálálá e nutricionista. E a minha adorava exercer essa última atividade. Era um fim de tarde, eu devia ter uns 12 anos, uma jovem manceba. Eu já tinha cumprido com o ritual diário de uma criança dessa idade (ao menos para aquelas minimamente em condições sócio-econômicas aceitáveis): acordado cedo... e como era cedo; ido à escola ... estudado e brigado muito com os garotos; almoçado e tirado um cochilo. Estava agora