Surpreender-me sempre com o rotineiro!²


Quem diria que em plena segunda-feira eu teria uma experiência dessas. 
Foi algo tão mágico e singelo que, depois do acontecido, o dia se foi e minha garganta não mais pedia, ordenava um grito.

Estava eu numa das muitas salas de aula por onde transito cotidianamente. O dia começava, e como já adiantei, era segunda. Minha cara não era a das mais felizes, meu corpo ainda procurava onde escondi um tal descanso. 

Fui aplicar prova de filosofia e marquei com uma aluna uma reunião pós-aula para que ela me apresentasse o trabalho que faltara entregar. Eu, mantendo a fama de exigente, indiquei que só aceitaria uma defesa no gogó. É isso ai, se sabe, fale! Esse é meu lema. 


Não houve objeção. 

Nossa, como eu não sabia o que me esperava...

A aluna M, é assim que a chamaremos, compareceu no horário previsto, agora em outra sala, onde eu dava continuidade ao dia de aulas. Ela puxou a cadeira e sentou próximo a mim. O assunto era a filosofia tominiana. M mostrou-se tranquila na defesa do que tinha estudado. Sobre a mesa, a apostila fornecida por mim, já em estado decadente. É, realmente ela havia estudado! Coitado do texto, deveria ter sido vítima de grandes amassões, torturas e afins...

M é uma jovem negra, repetente, de família humilde, de beleza fora do padrão... passa desapercebida. Eu já tinha me dado por satisfeita com sua exposição, mas M, com um sorriso contagiante, não parava de tagarelar. Foi, foi, foi até que enveredamos pelo mundo da leitura. A essa altura eu já nem me dava conta de que os outros pimpolhos faziam prova, e eu, a caxias, já estava desarmada.

Penso que por mais que eu descreva, minucie... não vou conseguir materializar o que senti. Como diz o título desse post, o rotineiro sempre me surpreende. Quando eu podia imaginar que de uma segunda chamada, para cumprir com as burocracias de nota, eu teria um momento desse??? 

Descobri o universo de uma menina que foge à regra. É fanática, não por internet, mas por livros. Se diz romântica, tem como melhor escritor o José de Alencar. 

Soltei uma risada quando M me disse que nas férias, depois de não ter mais o que ler, pegou um livro de direito de um primo (mesmo sem a menor ideia do que se tratava o título). Ela o devorou em 7 dias, coisa que o dono do livro ainda estava a enrolar por semanas. 

Certo dia, contava-me, chegou seu primo em casa com a incumbência de elaborar um texto discorrendo sobre a utilização de algum artigo daquele bendito livro. M olhou pra ele e disse:

- Isso é fácil, pegue o 9º, ele fala sobre a cidadania e a defesa da igualdade entre os homens.

Surpreso, seu primo resolveu fazer um teste.

- Hum? como sabe? em qual inciso está isso ai? 

- No 2, respondeu M.

E ela me disse, 

- Sabe, professora, lá na lei é assim. Eu sei que de verdade não é, mas na lei... 



Em silêncio, eu estava claramente afetada. 


No momento, M lê sobre a história do folclore, é xereta. O livro que escolheu é parte de uma coletânea de outros 3. Mas M não é tão fora do padrão assim, ela é curiosa. Confessou que não aguentou esperar e foi fuçar o último livro, quer saber o que é o folclore de Alagoas.

Papo bom, mas o tempo havia passado rápido, os últimos alunos entregavam a prova e tínhamos que ir. 

Agradeci à M (ela ficou sem entender o motivo) e prometi-lhe uma nova leitura.


Ela se foi, e já distante gritou:

-Ei, não esqueça meu livro heim... rsrsrs 


Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas
(Clarice Lispector)

Dedico esse post à M de hoje e a tantas Êmes que torço encontrar!



Por Natalia Freitas

Comentários

  1. Po! Eu acabo de me surpreender com seu cotidiano. Imagino, e fico louca pra saber empiricamente, como é pra um professor se deparar com um aluno assim!

    Mas de uma coisa eu tenho certeza: o prof tem q ser mestre q nem tu...mas o mestre que falo não é no sentido acadêmico, titular, é de excelência no que faz!!


    Parabéns pra M e pra vc!



    bjitos, rosita!

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