De repente um dia...
Todos os dias ela cumpria um ritual: olhos arregalados, mirava o teto de seu quarto. A chuva do último inverno deixara marcas na pintura já antiga. Aquele cenário era prato cheio para a criatividade de uma menina de 10 anos. Ali a entrada era franca. Participavam da festa leões com trombas de elefante, a professora Jacira, a primeira a mostrar-lhe o mundo letrado e também um montão de pipoca com chocolate. Era tudo muito harmônico, bastava forçar um pouco a cabeça para tudo mudar e, num instante, os leões usavam óculos e a tia da escola dava lugar a uma bicicleta amarela. Nascida numa cidade qualquer, os vizinhos a olhavam com certa desconfiança. Dizia uma senhora, assídua frequentadora das calçadas, para uma outra moradora: - Sabia não, faltou oxigênio na hora do parto, por isso ela ficou assim. É lelé, tadinha. Na escola, amigos eram espécie em extinção, a não ser pela Laura, menina de vívidos olhos caramelados. As duas sempre sentavam juntas na aula e dividiam os tra