Tá tudo amassado

Os silêncios lá fora não são ouvidos.
Automóveis soam normalidade.
A quem querem enganar?

Tá, não precisa dizer. Não são só eles. 
Certo?
Todo dia um pouquinho mais.

Os pratos já lavei. A cama arrumei. 
As plantas nunca estiveram tão bem hidratadas e verdinhas.
Estou limpa e alimentada todos os dias às 07h.

E cadê meu silêncio?

Antes disso tudo acontecer, eu conversava comigo e pedia tempo.
Desejava pelo tempo.
Onde nele eu pudesse respirar. Pensar.
A vida não era minha. Eu sabia disso.
E ardia o desejo de tê-la um dia.

Dia.
"Tempo que transcorre, em determinada região da Terra, entre o instante do nascer do Sol e do seu ocaso". Pesquisei no dicionário.
Olho pela janela hoje e ele me parece um não sei o quê.
Igual ao lençol que pela manhã eu amasso e guardo sem dobrar.

Teve um dia em que acordei otimista. Mudei de lugar os objetos da sala.
E pratiquei exercícios e também dancei. Na sala de novos ares. 
Olhei pro alto. O quadro tava torto. 
E veio tudo abaixo quando eu tentei ajeitar. 
O chão ficou repleto de cacos de otimismo. Os varri cuidadosamente e pus numa sacola.
O lixo ainda não joguei fora.

Um romance na estante falava de um conceito: Bildungsroman. Dizia de características de quando um romance cria um novo estilo, de transição. Onde a história do livro tem uma esfera transformadora, inspiradora. Acho que era isso. 
A história transformava os personagens e, assim, também ela sofria mutação.

A autora ia gostar de saber que eu usei o conceito. 

Fico me perguntando se isso tudo que está acontecendo ao mundo não é culpa minha e meu pedido da vida dar um tempo.
E sinto o egoísmo secar a garganta. 
O tempo entrou em minha casa e não quer sair mais.
Chegou autoritário e me segue em todo lugar que vou. Eu só queria saber como podemos conversar.

Deve ter muita gente querendo o mesmo.
Acho que uma hora a gente consegue. 
Que nem no romance onde aprendi o conceito de escrita difícil.


Por Natália Freitas



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